segunda-feira, janeiro 30, 2012

A haunted life, the life of a ghost

I woke up as the sun was reddening; and that was the one distinct time in my life, the strangest moment of all, when I didn't know who I was - I was far away from home, haunted and tired with travel, in a cheap hotel room I'd never seen, hearing the hiss of steam outside, and the creak of the old wood of the hotel, and the footsteps upstairs, and all the sad sounds, and I looked at the cracked high ceiling and really didn't know who I was for about fifteen strange seconds. I wasn't scared; I was just somebody else, some stranger, and my whole life was a haunted life, the life of a ghost. I was halfway across America, in the dividing line between the East of my youth and the West of my future, and maybe that's why it happened right there and then, that strange red afternoon.

Jack Kerouac, On The Road (1955).

sexta-feira, janeiro 27, 2012

Um acto profundamente humano

O crime, disse ela ao marido, parecia-lhe um acto profundamente humano, relacionado evidentemente com as zonas mais sombrias do humano, mas humano apesar disso. A arte, para pegar noutro exemplo, estava ligada a tudo: às zonas sombrias, às zonas luminosas, às zonas intermédias. A economia não estava ligada a quase nada, a não ser ao que havia de mais maquinal, de mais previsível, de mais mecânico no ser humano. Não só não era uma ciência, como não era uma arte, ao fim ao cabo não é coisíssima nenhuma.

Michel Houllebecq, "O mapa e o território" (Objectiva, 2011).

terça-feira, janeiro 24, 2012

Uma subtil forma de cuidado

Na gravidade dos pés e da cabeça, e também dos olhos, com que nos são alheias quando as olhamos de frente rumo ao lado útil do caminho que escolhemos, essas pessoas arrastam uma nuvem prateada que a cada passo larga uma imagem daquilo que foram ou das pessoas que amaram.
Essas imagens podem desaparecer para sempre se forem pisadas quando caem no chão. A gravidade dos pés e da cabeça, e também dos olhos, destas pessoas, é, por isso, uma subtil forma de cuidado.


Rui Costa, “A Nuvem Prateada das Pessoas Graves” (2005).

domingo, janeiro 22, 2012

Desde que ainda haja coisas de que eu tenha a certeza

"Estacionamos no princípio do cais e os contentores perdem-se de vista ao longo da margem do rio. O Sr. Belchior diz que os contentores são as sobras do império, não deixa de ter piada que estejam a apodrecer no mesmo sítio onde o império começou, alguma coisa isto quer dizer, alguma coisa devemos aprender com isto, tudo na vida tem os seus porquês. (...)

Acho que nunca mais vou ser capaz de pensar e sentir uma coisa de cada vez. Com o tempo devo habituar-me e deixar de me incomodar com isso. Não posso evitar que umas coisas tragam outras ou façam perder outras. Não deve ter mal. E também não deve fazer mal. Como não faz mal eu não saber o que aconteceu ao pai na prisão, aos demónios da mãe, à Silvana ou ao tio Zé. Nada disso tem mal desde que ainda haja coisas de que eu tenha a certeza.

Um avião risca o céu a direito. Silencioso. Como um giz preguiçoso nas mãos invisíveis de deus. Noutro tempo ter-lhe-ia respondido daqui de baixo. Talvez ainda responda. Noutro tempo ter-lhe-ia escrito, talvez ainda escreva, em letras bem grandes a todo o comprimento do terraço para que não possa deixar de ver-me, eu estive aqui.
Eu estive aqui."

Dulce Maria Cardoso, O Retorno (Tinta da China, 2011).

quinta-feira, janeiro 12, 2012

Sistema de sinais

Tenho visto muitos relatórios que começam com algo como:

Doente, sexo femenino, 22 anos...

E não sei se aquele doente, mas doente assim, inaugural, seguido de vírgula, é uma pausa para respirar ou uma confirmação do que suspeitávamos: sim, está doente, sim neste momento isso domina a sua identidade. De facto, não encontro na maioria dos casos grandes motivos para suspeitar da existência de um identidade, muito menos uma personalidade. Este doente, mas doente assim, inaugural, seguido de vírgula, na forma de confirmação do óbvio, serve talvez um único propósito: relembrar a fragilidade de todas as coisas que juntas se chamam personalidade e assim, doente, não se nomeiam.

Gosta de cafés pelo fim de dia no verão, sexo masculino, 26 anos...

sábado, janeiro 07, 2012

Yeats 1916

I

I have met them at close of day
Coming with vivid faces
From counter or desk among grey
Eighteenth-century houses.
I have passed with a nod of the head
Or polite meaningless words,
Or have lingered awhile and said
Polite meaningless words,
And thought before I had done
Of a mocking tale or a gibe
To please a companion
Around the fire at the club,
Being certain that they and I
But lived where motley is worn:
All changed, changed utterly:
A terrible beauty is born.

W. B. Yeats