domingo, março 25, 2012

Tem piada, que tenho imenso jeito para me sabotar

"If there's a discrepancy between certainty and truth, the certainty of the discrepancy sabotages its truth".

Eric Duyckaerts.

quinta-feira, março 22, 2012

The Search for Cherry Red




Versão dos The Kills em Keep on Your Mean Side (Domino, 2003).

Little drunk from the Warners' Christmas ball
Cut by love and cut by switchblade
He's been gone nearly half a decade
I still remember my brother
I see his face on the billboards
and the polaroids that stayed on my pillow 'til they faded
And it's painted cherry red, cherry red now
All your dreams are cherry red inside your head
.

A magnitude of beauty that allows me no peace.

The Poles rode out from Warsaw against the German
Tanks on horses. Rode knowing, in sunlight, with sabers,
A magnitude of beauty that allows me no peace.
And yet this poem would lessen that day. Question
The bravery. Say it's not courage. Call it a passion.
Would say courage isn't that. Not at its best.
It was impossib1e, and with form. They rode in sunlight,
Were mangled. But I say courage is not the abnormal.
Not the marvelous act. Not Macbeth with fine speeches.
The worthless can manage in public, or for the moment.
It is too near the whore's heart: the bounty of impulse,
And the failure to sustain even small kindness.
Not the marvelous act, but the evident conclusion of being.
Not strangeness, but a leap forward of the same quality.
Accomplishment. The even loyalty. But fresh.
Not the Prodigal Son, nor Faustus. But Penelope.
The thing steady and clear. Then the crescendo.
The real form. The culmination. And the exceeding.
Not the surprise. The amazed understanding. The marriage,
Not the month's rapture. Not the exception. The beauty
That is of many days. Steady and clear.
It is the normal excellence, of long accomplishment.

Jack Gilbert, The Abnormal Is Not Courage

terça-feira, março 13, 2012

E é desse Nietzsche que eu gosto

Ainda tenho nos olhos a imagem de Tereza sentada num tronco, a afagar a cabeça de Karenine e a meditar no fracasso da humanidade. Ao mesmo tempo, aparece-me outra imagem: a de Nietzsche a sair de um hotel de Turim. Vê um cocheiro a vergastar um cavalo. Chega-se ao pé do cavalo e, sob o olhar do cocheiro, abraça-se à sua cabeça e desata a chorar.
A cena passava-se em 1889 e Nietzsche, também ele, já se encontrava muito longe dos homens. Ou, por outras palavras, foi precisamente nesse momento que a sua doença mental se declarou. Mas, na minha opinião, é justamente isso que reveste o seu gesto de um profundo significado. Nietzsche foi pedir perdão por Descartes ao cavalo. A sua loucura (e portanto o seu divórcio com a humanidade) começa no instante em que se põe a chorar abraçado ao cavalo.
E é desse Nietzsche que eu gosto, tal como gosto da Tereza que tem ao colo a cabeça de um cão mortalmente doente e que a afaga. Ponho-os ao lado um do outro: tanto um como outro se afastam da estrada em que a humanidade, "dona e senhora da natureza", prossegue a sua marcha sempre em frente.

Milan Kundera, A Insustentável Leveza do Ser (1983; Tradução de Joana Varela editada pelo D. Quixote em 2011, porque lamentavelmente não sei ler o original em francês. Talvez um dia.).

Se isto é uma casa

Se isto é uma casa, mataram-nos o cão. O jardim está vazio e as beatas de uma noite ainda lá estão de manhã, quando vou para o carro. Se isto é uma casa, desligaram-nos o frigorífico. A sala está fria e as almofadas olham-nos com um ar inquisidor, mas se nos sentássemos não nos abraçavam. Se isto é uma casa, a torneira pinga. O corredor não tem os nossos retratos e tudo parece mais estreito, abrimos os braços e as costas das mãos tocam o estuque (ficamos ali como que à espera que a parede se encolha). Se isto é uma casa, não encontro os meus livros nas prateleiras. As gavetas estão vazias e aquele papel que me lembrava sabonetes enrolou-se no fundo, lembra-me agora as coisas que inventava como brinquedos na minha infância, na sala da minha avó que tinha alcatifa castanha e uma porta para a rua que nunca usávamos. Havia uma fotografia do casamento da minha madrinha em que as pessoas estavam a sair por lá, via-se que era uma ocasião importante. Nas casas da minha infância entrava-se e saía-se pela porta da cozinha. Em casa dos meus pais ainda se nota um pouco isso, a porta da cozinha é a porta da casa. Em casa da minha avó que tinha na sala alcatifa castanha e uma porta para a rua que nunca usávamos, a porta da cozinha dava para uma espécie de largo. Em frente, o Toyota Corola branco do meu avô e a casa de uma vizinha que eu achava engraçada, porque para se entrar (pela cozinha) descia-se uns degraus que agora me parecem pouco mais do que uma decoração. Para a esquerda dos degraus da vizinha havia a casa de banho, um barraco a que chamaríamos hoje arrumos, o tanque, o galinheiro e depois um muro, que saltando estamos em casa da Tia Gracinda (a Tia Gracinda é mãe do rapaz de cabelo comprido que se via na foto a casar-se com a minha madrinha e a usar a porta da sala da minha avó. Via-se que era um casamento entre gente da terra). À porta de casa da minha outra avó havia um pátio (não lhe chamo largo, como o outro, porque este era só nosso) e um pouco de terreno, com um diospireiro e algumas vinhas (pensei sempre no diospireiro como propriedade da minha avó e na vinha como propriedade do meu avô. No norte as coisas ainda são um pouco assim). Nas casas da minha infância não havia animais de estimação. A avó do diospireiro tinha uns gatos e criava coelhos. Os gatos eram seus no sentido em que somos donos do ar que ocupa as nossas varandas nos apartamentos das cidades e os coelhos, depois de brincarmos com eles às ninhadas inteiras nos carrinhos de mão, acabávamos por comer. Não havia cães que nos pudessem matar. Os jardins não eram particularmente bonitos e ninguém fumava. Os frigoríficos nunca se desligaram e, além das funções que cumprem nas outras casas, o de casa da minha avó que tinha na sala alcatifa castanha e uma porta para a rua que nunca usávamos, servia para o meu tio Quim meter em cima a carteira e as chaves do carro quando vinha lá almoçar. Convém lembrar que o frigorifico estava à porta da cozinha e a cozinha era a porta da casa. Mas como dizia, as torneiras por vezes pingavam, particularmente as dos pátios e outros sítios exteriores, onde de alguma forma isso parecia importar menos as pessoas. Não havia retratos nos corredores até porque havia muito pouca coisa nas paredes (as paredes da minha infância eram como que telas para quais se olhava de baixo. Uma pessoa aprende a ter respeito por uma tela em branco de muitas maneiras, esta é apenas uma delas). Quando abria os braços, as minhas mãos não tocavam o estuque e, se era por ser mais pequeno, na altura não o sabia (não esperava nada das paredes nessa altura, além de respeitar a sua semelhança com telas). Não havia muitos livros nas prateleiras, mas à medida que os fui trazendo fizeram-me sempre perceber que, se havia muita coisa na minha vida que era um privilégio, esse era um direito muito querido. Nunca se discutiu o preço de um livro. O preço de um livro era o preço de um livro e era o fim do assunto. Quando os livros já não cabiam nessas prateleiras de onde vim, disseram-me sem esconder o orgulho que fizesse o favor de trazer mais e mais, porque se fosse preciso viveríamos e dormiríamos em cima deles, mesmo que só para mim não fossem em grande parte um mistério. Nunca precisamos de viver ou dormir em cima deles. Houve sempre mais prateleiras e por isso habituei-me a essa noção de que algumas coisas são essenciais e indiscutíveis, de que os livros podem ser uma forma de amor. Não falo de amor pelos livros, embora esse também exista, falo dos livros como demonstração de amor. Falo de uma entrega que desejava a superação, não a todo o custo, mas com toda a naturalidade. Se há algo que posso agradecer às casas em que cresci é essa noção de que há coisas essenciais e indiscutíveis, sobre as quais, se for preciso, vamos viver ou dormir.

quarta-feira, março 07, 2012

Nunca fomos tão claros como no luto

Nos funerais encontramos a família.
Nunca fomos tão claros
como no luto
e nas memórias anedóticas
que amenizam o morto.
Que sangue é o teu
para que o meu se assemelhe?
Alguns velhos trazem flores
que já ofereceram nos casamentos
e entre eles decidem
que somos uma família,
conhecem os primos que não
conheço, lamentam a sorte
daqueles cuja sorte é conhecida,
são ainda mais graves
do que nós, e usam
diminutivos carinhosos.
O meu nome far-se-á pó
com o meu corpo, pensa
uma mulher que já é viúva,
há irmãos completamente mudos.
e as crianças jogam à cabra-cega.
Seguimos em cortejo
compondo as gravatas,
o vento não percebe que morreu gente.
Dez pessoas acompanham o padre,
os outros já não se lembram
das orações,
dez pessoas pensam
no que têm pela frente,
os outros acompanham o caixão.
O coveiro mais novo
dentro de pouco tempo
enterrará o mais velho.


Funerais.
Pedro Mexia, Menos por Menos (2011).

Self-portrait as Amnesiac

I never saw the fauna of this world,
only a stare through headlights, a hurried

lurching from verge to verge
on a woodland road;

and, long ago, those places in the roof
where dust had gathered,

shoeboxes lined with eggs and empty
pomegranates drying in a bowl,

mousebones and wicker, chess pieces, muddled coats,
the slender, puppet versions of myself

who played here for a while
then moved away.

At times, when I have nothing else to do,
I think of going up into the highest

roof-beam, like the bridegroom in a hymn,
and bringing something down, an ancient

bird mask, or a broken violin,
or something in a cage that’s still alive

until I fetch it out into the light
and watch it go to powder, teeth and eyestitch

crumbling, and the sound it used to make
extinguished, like that shrieking in the woods

that, once, when I was small, and still awake,
uncharmed me from my bed, before it vanished.


John Burnside

segunda-feira, março 05, 2012

I look


and the portrait show seems to have no faces in it at all, just paint
you suddenly wonder why in the world anyone ever did them

I look
at you and I would rather look at you than all the portraits in the world
except possibly for the Polish Rider occasionally and anyway it's in the Frick
which thank heavens you haven't gone to yet so we can go together the first time
and the fact that you move so beautifully more or less takes care of Futurism

Vi esta foto do Guillaume Kayacan e lembrei-me do Frank O'Hara. Os inevitáveis e nada mais há a fazer.