quinta-feira, abril 18, 2013

Relatório

É um mundo pequeno,
habitado por animais pequenos
– a dúvida, a possibilidade da morte –
e iluminado pela luz hesitante de
pequenos astros – o rumor dos livros,
os teus passos subindo as escadas,
o gato brincando na sala
com o último raio de sol da tarde.
Dir-se-ia antes uma casa,
um pouco mais alta que um império
e um pouco mais indecifrável
que a palavra “casa”; não fulge.
Em certas noites, porém,
sai de si e de mim
e fica suspensa lá fora
entre a memória e o remorso de outra vida.
Então, com as luzes apagadas,
ouço vozes chamando,
palavras mortas nunca pronunciadas
e a agonia interminável das coisas acabadas.

Manuel António Pina, Como se desenha uma casa (Assírio & Alvim, 2011).