domingo, março 24, 2013

insones

Fumam à janela, o vento frio
desfaz o fumo, os dedos tremem.
Não sabem uns dos outros,
espalhados pela cidade, mas
procuram as luzes ainda acesas
noutras casas. Noite dentro,
o silêncio dos que dormem
é uma afronta, desleixo pueril
de quem consegue ignorar
as facadas do tempo, a areia
entre os dedos, o sobressalto

José Mário Silva

sábado, março 23, 2013

An Arundel Tomb

Side by side, their faces blurred,
The earl and countess lie in stone,
Their proper habits vaguely shown
As jointed armour, stiffened pleat,
And that faint hint of the absurd -
The little dogs under their feet.

Such plainness of the pre-baroque
Hardly involves the eye, until
It meets his left-hand gauntlet, still
Clasped empty in the other; and
One sees, with a sharp tender shock,
His hand withdrawn, holding her hand.

They would not think to lie so long.
Such faithfulness in effigy
Was just a detail friends would see:
A sculptor's sweet commissioned grace
Thrown off in helping to prolong
The Latin names around the base.

They would no guess how early in
Their supine stationary voyage
The air would change to soundless damage,
Turn the old tenantry away;
How soon succeeding eyes begin
To look, not read. Rigidly they

Persisted, linked, through lengths and breadths
Of time. Snow fell, undated. Light
Each summer thronged the grass. A bright
Litter of birdcalls strewed the same
Bone-littered ground. And up the paths
The endless altered people came,

Washing at their identity.
Now, helpless in the hollow of
An unarmorial age, a trough
Of smoke in slow suspended skeins
Above their scrap of history,
Only an attitude remains:

Time has transfigures them into
Untruth. The stone fidelity
They hardly meant has come to be
Their final blazon, and to prove
Our almost-instinct almost true:
What will survive of us is love.

Philip Larkin.

sexta-feira, março 22, 2013

palavras do imperador hadriano no princípio do sono

há um pouco de vento fustigando a tarde
- mas não mais que um pouco –
e o meu corpo exposto às dunas
cai como ao princípio da noite.
hoje e ontem
escorrem-me pelos olhos
enquanto estendo as mãos
e por elas inscrevo o gosto do tacto pela areia.
disseram-me que o homem
estava escrito no homem
e o tempo dele: linhas cruzadas
ou ilhas ou maior profundidade,
nunca pude ler as tuas mãos
e das linhas apenas percebi
como pelos gestos tu me afirmavas
ou negando
me reafirmavas: dunas pelo vento
e de novo partíamos.
não posso, no entanto, pedir contas
à tua ausência. no simulacro
da coragem, quantas vezes
teremos dito o que negávamos
e a tua boca
mais perto da minha
teria, apesar
a certeza de que ninguém perde ninguém
e que os negócios do estado
apenas confirmam
entre as misérias de uns
e os ousados roubos de outros
como passa sobre essa certeza
o tempo
ao correr das sociedades
e dos impérios
no princípio desta noite.

r. lino, palavras do imperador hadriano (1984).