quarta-feira, março 07, 2012

Nunca fomos tão claros como no luto

Nos funerais encontramos a família.
Nunca fomos tão claros
como no luto
e nas memórias anedóticas
que amenizam o morto.
Que sangue é o teu
para que o meu se assemelhe?
Alguns velhos trazem flores
que já ofereceram nos casamentos
e entre eles decidem
que somos uma família,
conhecem os primos que não
conheço, lamentam a sorte
daqueles cuja sorte é conhecida,
são ainda mais graves
do que nós, e usam
diminutivos carinhosos.
O meu nome far-se-á pó
com o meu corpo, pensa
uma mulher que já é viúva,
há irmãos completamente mudos.
e as crianças jogam à cabra-cega.
Seguimos em cortejo
compondo as gravatas,
o vento não percebe que morreu gente.
Dez pessoas acompanham o padre,
os outros já não se lembram
das orações,
dez pessoas pensam
no que têm pela frente,
os outros acompanham o caixão.
O coveiro mais novo
dentro de pouco tempo
enterrará o mais velho.


Funerais.
Pedro Mexia, Menos por Menos (2011).

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