terça-feira, novembro 30, 2010

Já que estamos a falar do poeta. Compreendi,

Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.


Um bocadinho de "Se depois de eu morrer", Alberto Caeiro.

Em moldes de realidade

Fixei aquilo tudo em moldes de realidade. Graduei as influências, conheci as amizades, ouvi, dentro de mim, as discussões e as divergências de critérios, e em tudo isto me parece que fui eu, criador de tudo, o menos que ali houve. Parece que tudo se passou independentemente de mim. E parece que assim ainda se passa. Se algum dia eu puder publicar a discussão estética entre Ricardo Reis e Álvaro de Campos, verá como eles são diferentes, e como eu não sou nada na matéria.

Fernando Pessoa, Carta a Adolfo de Casais Monteiro.

Via A Douta Ignorância.

domingo, novembro 28, 2010

Amava as flores

– Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade de histórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio... Enfim, às vezes já não consigo arrumar tudo isso. Porque, sabe?, acorda-se às quatro da manhã num quarto vazio, acende-se um cigarro... Está a ver? A pequena luz do fósforo levanta de repente a massa das sombras, a camisa caída sobre a cadeira ganha um volume impossível, a nossa vida... compreende?... a nossa vida, a vida inteira, está ali como... como um acontecimento excessivo... Tem de se arrumar muito depressa. Há felizmente o estilo. Não calcula o que seja? Vejamos: o estilo é o modo subtil de transferir a confusão e a violência da vida para um plano mental de uma unidade de significação. Faço-me entender? Não? Bem, não aguentamos a desordem estuporada da vida. E então pegamos nela, reduzimo-la a dois ou três tópicos que se equacionam. Depois, por meio de uma operação intelectual, dizemos que esses tópicos se encontram no tópico comum, suponhamos , do Amor ou da Morte. Percebe? Uma dessas abstracções que servem para tudo. O cigarro consome-se, não é?, a calma volta. Mas pode imaginar o que seja isto todas as noites, durante semanas ou meses ou anos?
Uma vez fui ao médico.
- Doutor, estou louco - disse. - Devo estar louco.
- Tem loucos na família? - perguntou o médico. - Alcoólicos, sifilíticos?
- Sim, senhor. O pior. Loucos, alcoólicos, sifilíticos, místicos, prostitutas, homossexuais. Estarei louco?
O médico tinha sentido de humor, e receitou-me barbitúricos.
- Não preciso de remédios - disse eu. - Sei historias tenebrosas acerca da vida. De que me servem barbitúricos?
A verdade é que ainda não havia encontrado o estilo. Mas ouça, meu amigo: conheço por exemplo a história de um homem velho. Conheço também a de um homem novo. A do velho é melhor, pois era muito velho, e que poderia ele esperar? Mas veja, preste bem atenção. Esse homem velhíssimo não se resignaria nunca a prescindir do amor. Amava as flores. No meio da sua solidão tinha vasos de orquídeas.

Estilo. herberto helder, Os Passos Em Volta. Assírio & Alvim, 2009.

segunda-feira, novembro 22, 2010

como uma secreta eternidade.

Falemos de casas, da morte. Casas são rosas
Para cheirar muito cedo, ou à noite, quando a esperança
Nos abandona para sempre.
Casas são rios diuturnos, nocturnos rios
Celeste que fulguram lentamente
Até uma baía fria - que talvez não exista,
como uma secreta eternidade.

Falemos de casas como quem fala da sua alma,
Entre um incêndio,
Junto ao modelo das searas,
na aprendizagem da paciência de vê-las erguer
e morrer com um pouco, um pouco
de beleza.


Falemos de casas; Herberto Helder, A Colher na Boca.

sábado, novembro 20, 2010

"O caos é uma ordem por decifrar".



Por Miguel Gonçalves Mendes, um colosso comovente.

quarta-feira, novembro 17, 2010

Eis como o Pedro Mexia, sem suspeitar, me lembrou

I have longed to move away but am afraid;
Some life, yet unspent, might explode
Out of the old lie burning on the ground,
And, crackling into the air, leave me half-blind.
Neither by night's ancient fear,
The parting of hat from hair,
Pursed lips at the receiver,
Shall I fall to death's feather.
By these I would not care to die,
Half convention and half lie.


Dylan Thomas, a propósito, via A Lei Seca.

sábado, novembro 13, 2010

So I think it must go in a story

Here I am talking to you and getting quite excited, yet can't forget for a second that I've an unfinished novel waiting for me. Or I see a cloud over there like a grand piano. So I think it must go in a story. 'A cloud like a grand piano sailed past.' Or I smell heliotrope, and make a quick mental note. 'Sickly scent. Flour. Sombre hue. Mention in description of summer evening.' I try to catch every sentence, every word you and I say and quickly lock all these sentences and words away in my literary storehouse because they might come in handy. When I finish work, I rush off to the theatre or go fishing. That would be the time to relax and forget, but not a bit of it. I already have another great weight on my mind: a new plot. I feel I must go to my desk - hurry up and start writing, writing, writing all over again. This sort of thing goes on all the time, I can never relax, and I feel I'm waisting my life.

Anton Chekhov, A gaivota.

via Narcisicamente (Um blog Neon-Modernista).

Kellerhouse


Os posters que estes gajos fazem, os posters que estes gajos fazem.