Nos meus cadernos de escola
Na minha carteira e nas árvores
Nos areais e na neve
Escrevo o teu nome
Em todas as páginas lidas
Em todas as páginas brancas
Pedra sangue papel cinza
Escrevo o teu nome
Sobre as imagens douradas
Nos estandartes guerreiros
Tal como na coroa dos reis
Escrevo o teu nome
Nas selvas e no deserto
Nos ninhos e nas giestas
No eco da minha infância
Escrevo o teu nome
Nas maravilhas das noites
No pão branco dos dias
Nas estações enlaçadas
Escrevo o teu nome
Nos meus farrapos de azul
No pântano sol alterado
No lago luar vivente
Escrevo o teu nome
Nos campos do horizonte
Sobre umas asas de pássaro
Sobre o moinho das sombras
Escrevo o teu nome
Em cada sopro de aurora
Na água do mar e nos barcos
Na serrania demente
Escrevo o teu nome
Na clara espuma das nuvens
Nos suores da tempestade
Na chuva insípida e espessa
Escrevo o teu nome
Nas formas resplandecentes
Nos sinos de muitas cores
Sobre a verdade da física
Escrevo o teu nome
Nas veredas bem despertas
Nos caminhos descerrados
Nas praças que se extravasam
Escrevo o teu nome
Na lâmpada que se acende
Na lâmpada que se apaga
Nas minhas casas unidas
Escrevo o teu nome
No fruto partido em dois
do meu espelho e do meu quarto
Na cama concha vazia
Escrevo o teu nome
No meu cão guloso e meigo
Nas suas orelhas erguidas
Na sua pata sem jeito
Escrevo o teu nome
Na soleira desta porta
Nos objectos familiares
Na língua de puro fogo
Escrevo o teu nome
Em toda a carne que tive
Na fronte dos meus amigos
Em cada mão que se estende
Escrevo o teu nome
Na vidraça das surpresas
Nos lábios que estão atentos
Muito acima do silêncio
Escrevo o teu nome
Nos meus refúgios desfeitos
Nos meus faróis aluídos
Nas paredes do meu tédio
Escrevo o teu nome
Na ausência sem desejo
Na solidão despojada
Na escadaria da morte
Escrevo o teu nome
Sobre a saúde refeita
Sobre o perigo dissipado
Sobre a esperança esquecida
Escrevo o teu nome
E pelo poder da palavra
Recomeço a minha vida
Nasci para te conhecer
Nasci para te nomear
Liberdade
Liberdade, Paul Éluard.
quarta-feira, fevereiro 29, 2012
segunda-feira, fevereiro 20, 2012
quarta-feira, fevereiro 15, 2012
Apenas uma diferença de escala
"entre o cotão que tirava dos bolsos como exemplo de coisas humildes e os seixos rolados que escolhia nas praias e nos leitos secos dos ribeiros, austeramente coloria e guardava nas gavetas das cómodas lá de casa, entre os estudos das estrelas cadentes e a idade que atribuia ao granito de que se fazem as casas, entre o universo em expansão e as suas pinturas austeras, onde chegou a misturar pó de pedra e onde a geometria é antes uma metafísica, há apenas uma diferença de escala."
João Pinharanda a falar sobre Fernando Lanhas, o arquitecto que se apaixonou pela astronomia e se fez pintor.
João Pinharanda a falar sobre Fernando Lanhas, o arquitecto que se apaixonou pela astronomia e se fez pintor.
terça-feira, fevereiro 14, 2012
Não sei onde
Há apenas um buraco aqui,
não sei onde, uma espécie de
falta de alguma coisa insolente e amável,
de qualquer modo, aliás, altamente improvável.
Manuel António Pina, Como se Desenha uma Casa (Assírio & Alvim, 2011).
segunda-feira, fevereiro 13, 2012
Discovery
I believe in the great discovery.
I believe in the man who will make the discovery.
I believe in the fear of the man who will make the discovery.
I believe in his face going white,
His queasiness, his upper lip drenched in cold sweat.
I believe in the burning of his notes,
burning them into ashes,
burning them to the last scrap.
I believe in the scattering of numbers,
scattering them without regret.
I believe in the man's haste,
in the precision of his movements,
in his free will.
I believe in the shattering of tablets,
the pouring out of liquids,
the extinguishing of rays.
I am convinced this will end well,
that it will not be too late,
that it will take place without witnesses.
I'm sure no one will find out what happened,
not the wife, not the wall,
not even the bird that might squeal in its song.
I believe in the refusal to take part.
I believe in the ruined career.
I believe in the wasted years of work.
I believe in the secret taken to the grave.
These words soar for me beyond all rules
without seeking support from actual examples.
My faith is strong, blind, and without foundation.
Wislawa Szymborska
I believe in the man who will make the discovery.
I believe in the fear of the man who will make the discovery.
I believe in his face going white,
His queasiness, his upper lip drenched in cold sweat.
I believe in the burning of his notes,
burning them into ashes,
burning them to the last scrap.
I believe in the scattering of numbers,
scattering them without regret.
I believe in the man's haste,
in the precision of his movements,
in his free will.
I believe in the shattering of tablets,
the pouring out of liquids,
the extinguishing of rays.
I am convinced this will end well,
that it will not be too late,
that it will take place without witnesses.
I'm sure no one will find out what happened,
not the wife, not the wall,
not even the bird that might squeal in its song.
I believe in the refusal to take part.
I believe in the ruined career.
I believe in the wasted years of work.
I believe in the secret taken to the grave.
These words soar for me beyond all rules
without seeking support from actual examples.
My faith is strong, blind, and without foundation.
Wislawa Szymborska
terça-feira, fevereiro 07, 2012
Não ficaram cinzas.
Entraram no quarto, despiram-se e o que estava escrito que aconteceria, aconteceu enfim, e outra vez, e outra ainda. Ele adormeceu, ela não. Então ela, a morte, levantou-se, abriu a bolsa que tinha deixado na sala e retirou a carta de cor violeta. Olhou em redor como se estivesse à procura de um lugar onde a pudesse deixar, sobre o piano, metida entre as cordas do violoncelo, ou então no próprio quarto, debaixo da almofada em que a cabeça do homem descansava. Não o fez. Saiu para a cozinha, acendeu um fósforo, um fósforo humilde, ela que poderia desfazer o papel com o olhar, reduzi-lo a uma impalpável poeira, ela que poderia pegar-lhe fogo só com o contacto dos dedos, e era um simples fósforo, o fósforo comum, o fósforo de todos os dias, que fazia arder a carta da morte, essa que só a morte podia destruir. Não ficaram cinzas. A morte voltou para a cama, abraçou-se ao homem e, sem compreender o que lhe estava a suceder, ela que nunca dormia, sentiu que o sono lhe fazia descair suavemente as pálpebras. No dia seguinte ninguém morreu.
José Saramago, As intermitências da morte (Caminho, 2005).
José Saramago, As intermitências da morte (Caminho, 2005).
sexta-feira, fevereiro 03, 2012
I remember
“Do
You know nothing? Do you see nothing? Do you remember
Nothing?”
I remember
Those are pearls that were his eyes.
“Are you alive, or not? Is there nothing in your head?”
T. S. Eliot, The Waste Land.
You know nothing? Do you see nothing? Do you remember
Nothing?”
I remember
Those are pearls that were his eyes.
“Are you alive, or not? Is there nothing in your head?”
T. S. Eliot, The Waste Land.
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