terça-feira, outubro 11, 2005

9/10

I’m like a bird

É claro que eu consigo entender que as pessoas ponham de parte a música pop. Eu sei que muita dela, quase toda ela, é lixo, pouco imaginativa, de má qualidade, produzida doentiamente, sem sentido, repetitiva e juvenil (embora, pelo menos quatro destes adjectivos, possam ser usados para descrever os incessantes ataques à música pop que ainda podem ser encontrados em revistas e jornais requintados). Também sei, acreditem, que Colle Porter era “melhor” do que Madonna ou Travis, que a maioria das canções pop se destinam cinicamente a uma audiência alvo três décadas mais jovem do que eu, que, em qualquer dos casos, a época dourada foi há trinta e cinco atrás e que temos tido, muito pouco com valor desde então. É só que há uma canção que ouvi na rádio, e comprei o CD, e que agora tenho de ouvir dez ou quinze vezes ao dia...
É isso que me espanta sobre aqueles que sentem que o pop contemporâneo (e eu uso a palavra para englobar soul, reggae, country, rock – qualquer coisa que possa ser considerarado sem qualidade) esteja por baixo de vocês, ou atrás de vocês, ou para além de vocês – alguma preposição que denote distância, de qualquer dos modos: significará isto que nunca se ouça, ou, pelo menos nunca se desfrute, de novas canções, que tudo o que se canta no chuveiro tenha sido escrito escrito há anos, décadas, séculos atrás? Nega realmente a si mesmo o prazer de dominar uma melodia nova (um prazer, que por casualidade, o seu género é talvez o primeiro na história a renunciar) porque tem medo que o faça parecer que não sabe quem Foucalt é? Eu aposto que é divertido nas festas.
Sabe, a canção que ultimamente me tem levado ao delírio é a “I’m Like a Bird”, da Nelly Furtado. Apenas a história irá julgar se a menina Furtado acabará por tornar-se numa artista, e embora eu tenha as minhas suspeitas de que ela não vai mudar a maneira como se olha o mundo, não posso dizer que me importe muito com isso. Ficar-lhe-ei eternamente agradecido por criar em mim a necessidade nárcotica de ouvir a canção dela incessantemente. É, afinal, uma necessidade inofensiva, facilmente satisfeita, e existem poucas desse género no mundo. Nem sequer quero fazer caso desta música, tal como de qualquer outra – apesar de eu a achar uma canção pop muito boa, com um estado de mente sonhador e um optimismo ferido que a destingue imediatamente dos seus semelhantes anémicos e inferiores em qualidade. O facto é que há uns meses ela não existia, pelo menos no que nos diz respeito, e agora está aqui, e isso, em si, é um pequeno milagre.
Dave Eggers afirma que se ouvem as canções repetidamente, e que aqueles de nós que o fazem, é porque as têm de “resolver”, e é verdade que na nossa incipiente relação com, e cortejamento de, uma nova canção, há um estádio que é semelhante a uma espécie de puzzle etimológico. [...]
Claro, vai parecer superficial e coisa do passado dentro em breve. Num curto espaço de tempo, eu terei “resolvido” “I’m Like a Bird”, e já não quererei ouvi-la muito mais – uma canção pop de três minutos só consegue manter os seus mistérios por um determinado tempo, afinal. Por isso, sim, é descartável, como se isso fizesse alguma diferença à percepção de alguém do valor da música pop. Mas então, já não deveríamos estar fartos da “Moonlight” Sonata neste momento? Ou da Mona Lisa? Ou The Importance of Being Ernest? Eles estão vazios! Nada resta! Foram todos absorvidos! E é isso que me aborrece: as mesmas pessoas que são arrogantes em relação à descartabilidade da música pop vão repetidamente ver Lady Bracknell dizer “A handbag?” numa voz engraçada. Não acham que essa piada se gastou a si própria? Talvez a descartabilidade seja um sinal da maturidade da música pop, um reconhecimento das suas próprias limitações, ao invés do contrário.
Algumas vezes ao ano preparo uma cassete para tocar no carro, uma cassete cheia de todas aquelas canções que adorei ao longo dos últimos meses, e sempre que acabo de ouvir uma não acredito que irá haver outra. No entanto, há sempre uma e eu não posso esperar pela próxima; só se precisa de mais umas centenas de coisas como aquelas, e tem-se uma vida que vale a pena viver.

Nick Hornby

Este texto caiu no meu colo há algum tempo atrás, andava eu a divagar no 11º ano. Na altura não lhe dei grande importância - estava demasiado ocupado a mostrar a todos os professores cansados e mal pagos que era capaz de fazer uma piadinha sarcástica em cima de cada erro deles.

Hoje os meus Professores erram menos. Afinal estes Professores têm P maiúsculo, deve ser a obrigação deles. (ou então a faculdade é isso mesmo: aquilo de que os gajos falam está tantos furos acima do que tu consegues processar, que se torna virtualmente impossível para eles errar.) Isso significa que eu fico caladinho a ouvir os nossos Semi-Deuses – o sarcasmo passou a ser uma habilidade social e deixou decididamente se ser uma arma de arremesso académico.

Tudo isto, porque no Blitz da semana passada o jornalista Jorge Manuel Lopes deu ao novo álbum das Sugababes, Taller in more ways, um belo 9 em 10. “...revela-se um dos álbuns maiores de 2005. Um instante único de inspiração colectiva em grande escala.” , dizia ele.
E por alguma razão estranha, ontem, a bordo de um Renault Clio, eu e mais três pessoas achamos isto tudo muito estranho, só depois de termos ouvido o single na rádio. E não, eu não acho que o Jorge Manuel Lopes esteja maluco. Eu é que provavelmente não sou muito divertido nas festas.

2 comentários:

Sergio Figueiredo disse...

...humm...discordo em relação à intemporalidade de algumas obras. O que acontece é que muitas delas se tornaram um icon Pop (à boa moda de Andy Warhol) como é, precisamente, o caso de Mona Lisa. Tal não significa, no entanto, que tenha perdido qualidade já que, se após séculos de existência ainda é apreciada, alguma coisa deve querer dizer. Por outro lado, "obras" agora eruditas foram no seu tempo arte "pop". Basta lembrar Bach que escrevia 1 missa por semana!

O que é pop ou erudito não é directamente relacionável com o que é bom ou mau. Essa tendência não racional de pensamento não deve existir. É altamente preconceituosa.
tanto valor o Take 5 de Dave Brubeck como Brain Damage dos Pink Floyd...ainda duram e ainda são ouvidos...

Tiago Costa disse...

exacto sérgio.