brincávamos a cair nos braços um do outro
brincávamos a cair nos braços um do outro, como faziam as actrizes nos filmes com o marlon brando,
e depois suspirávamos e ríamos sem saber que habituávamos o coração à dor.
queríamos o amor um pelo outro sem hesitações,
como se a desgraça nos servisse bem e,
a ver filmes, achávamos que o peito era todo em movimento
e não sabíamos que a vida podia parar um dia.
eu ainda te disse que me doíam os braços e que, mesmo sendo o rapaz,
o cansaço chegava e instalava-se no meu poço de medo.
tu rias e caías uma e outra vez à espera de acreditares apenas no que fosse mais imediato,
quando os filmes acabavam, quando percebíamos que o mundo era feito de distância e tanto tempo vazio,
tu ficavas muito feminina e abandonada e eu sofria mais ainda com isso.
estavas tão diferente de mim como se já tivesses partido e eu fosse apenas um local esquecido sem significado maior no teu caminho.
tu dizias que se morrêssemos juntos entraríamos juntos no paraíso e querias culpar-me por ser triste de outro modo,
um modo mais perene, lento, covarde.
Eu amava-te e julgava bem que amar era afeiçoar o corpo ao perigo.
caía eu nos teus braços, fazias um bigode no teu rosto como se fosses o marlon brando.
eu, que te descobria como se descobrem fantasias no inferno, não queria ser beijado pelo marlon brando
e entrava numa combustão modesta que, às batidas do meu coração,
iluminava o meu rosto como lâmpada falhando a minha mãe dizia-me,
valter tem cuidado, não brinques assim,
vais partir uma perna,
vais partir a cabeça,
vais partir o coração.
e estava certa, foi tudo verdade
Valter Hugo Mãe, Contabilidade.
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