segunda-feira, julho 23, 2012

Numa combustão modesta

brincávamos a cair nos braços um do outro

brincávamos a cair nos braços um do outro, como faziam as actrizes nos filmes com o marlon brando,

e depois suspirávamos e ríamos sem saber que habituávamos o coração à dor.

queríamos o amor um pelo outro sem hesitações,

como se a desgraça nos servisse bem e,

a ver filmes, achávamos que o peito era todo em movimento

e não sabíamos que a vida podia parar um dia.

eu ainda te disse que me doíam os braços e que, mesmo sendo o rapaz,

o cansaço chegava e instalava-se no meu poço de medo.

tu rias e caías uma e outra vez à espera de acreditares apenas no que fosse mais imediato,

quando os filmes acabavam, quando percebíamos que o mundo era feito de distância e tanto tempo vazio,

tu ficavas muito feminina e abandonada e eu sofria mais ainda com isso.

estavas tão diferente de mim como se já tivesses partido e eu fosse apenas um local esquecido sem significado maior no teu caminho.

tu dizias que se morrêssemos juntos entraríamos juntos no paraíso e querias culpar-me por ser triste de outro modo,

um modo mais perene, lento, covarde.

Eu amava-te e julgava bem que amar era afeiçoar o corpo ao perigo.

caía eu nos teus braços, fazias um bigode no teu rosto como se fosses o marlon brando.

eu, que te descobria como se descobrem fantasias no inferno, não queria ser beijado pelo marlon brando

e entrava numa combustão modesta que, às batidas do meu coração,

iluminava o meu rosto como lâmpada falhando a minha mãe dizia-me,

valter tem cuidado, não brinques assim,

vais partir uma perna,

vais partir a cabeça,

vais partir o coração.

e estava certa, foi tudo verdade


Valter Hugo Mãe, Contabilidade.

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