quarta-feira, maio 23, 2012
As mortes insignificantes
Na saída do aeroporto há uma instalação. Como que uma sala fúnebre fresca, paredes e chão negros mate de iluminação quase invisível azul, rasgada por um traço incandescente de claridade. Marca uma fronteira perpendicular ao caminho e ciclos de água pulverizada caem sobre ela. Há ali uma impressão de limite e limpeza. Parece-me apropriado: sempre achei que o maior privilégio em viajar e ser estrangeiro por alguns dias, se liga a essa noção de uma vida que se suspende. Que morre só um bocadinho. Que deixa uma cama e uma secretária vazia. O que transforma estas mortes em insignificâncias agradáveis é o bilhete de regresso, a certeza de uma casa, a noção de temporário, de interrupção controlada. A identidade bem guardada numa carteira que de pouco ou nada vai servir nestes dias: carta de condução, passe de metro. Tudo inútil, mas ainda assim, garantia fundamental de que há uma vida a que vamos voltar. De qualquer forma, há justiça e sentido em construir um purgatório na fronteira entre o terminal e a gare. Eu aproveitei para trocar o rolo à maquina que ia no casaco e comer duas bolachas. O meu velório.
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