Suponho que não há grande problema em comer vegetais.
Nunca imaginei que pudessem ter grandes sentimentos e, afinal, que planos pode ter um vegetal. Afinal, é só um vegetal. Por isso, como sempre os meus vegetais, nunca me passou pela cabeça beber outra coisa que não fosse água e vou sempre deitar-me com a cozinha já arrumada.
Um dia pensei em matar-me. Era verão.
Antes disso liguei ao meu melhor amigo, Estou a pensar matar-me, uma pessoa deve despedir-se, Não sejas tontinha. Não deixar as coisas no ar. Nunca me vou deitar com a cozinha por arrumar, não ia matar-me sem lhe ligar. Vem antes comigo, tenho de voltar à terra da minha avó, vou levar o puto.
E eu fui. Conhecer uma casa que não era a minha, andar no banco de trás.
Janelas abertas. Era verão.
Catarina Lacão queria fazer um filme com uma paisagem exótica. Pensou na Algéria, não havia orçamento. Depois percebeu que nada será mais alienígena do que o mundo aos olhos de quem dele quer sair. Assim surgiu “Era verão”, um fime sobre uma rapariga que um dia pensou em matar-se, mas foi arrastada para o mundo.
"Faz de ti um duplo ser guardado; / E que ninguém, que veja e fite, possa / Saber mais que um jardim de quem tu és – / um jardim ostensivo e reservado, / Por trás do qual a flor nativa roça / A erva tão pobre que nem tu a vês."
A Sara pensou em fazer um filme sobre um poema de Fernando Pessoa. Entretanto começou uma tese de mestrado e pelo meio apaixonou-se. Continuou a querer fazer um filme sobre Fernando Pessoa, mas agora apaixonada.
Teria de ser uma curta: o amor exige uma certa urgência. Assim surgiu "Duplo ser guardado", uma história sobre alguém que se apaixona quando só se queria encontrar - e assim se conheceu.
Gravado entre Braga e o Porto, recorrendo apenas a SLR digitais – máquinas fotográficas que (por acaso) fazem filmes e editado com software (igualmente) amador, esta é a documentação ficcionada da relação da realizadora com o seu próprio desnorte.
Não se observa alguém crescer. Seria como sobreviver a uma guerra sentado num camarote: uma espécie de cobardia particularmente desconfortável, uma distância sem distância, sentimento sem lágrimas.
Não. Crescer é esta dança de coração nos ombros, ao alto, para onde os outros atiram o olhar. Como querias tu ver alguém crescer? Não, crescer não se vê. Alguém pode crescer muito parado, entendes?
Sim. Para crescer é preciso sacrificar os braços, um abraço permanente, com mãos que antes de não chegarem para mais nada, não servem para mais nada.
Esse negócio de ver alguém crescer é uma vida. É crescer.
Mais uma colecção de curtas do que uma curta, “Pequenos ensaios sobre ampliação” de João Raiter é tanto a crónica dos dias dentro do dia de uma criança, como do processo de aprendizagem de um jovem e surpreendido pai. Um filme sobre aprender a crescer, portanto.
No tempo que demora a aquecer a água, é possível correr todos os números do despertador. Será impossível de acreditar, mas há em mim (ainda) uma ânsia em não ficar a dever nada aos dias, uma obrigação moral em chegar à cama exausta e acordar com fome.
Acordas: afinal é sábado. Dia de anos da Rita. Não sabes o que vestir, que conversa fazer.
A água já está quente, tomas banho. O dia está demasiado quente, não secas o cabelo. Não há mais paciência, vais vestida de preto.
Sonhas em adormecer e percebes que este dia ainda agora acabou.
Assumido como uma espécie de projecto de final de curso, “Este dia ainda agora acabou.” é uma curta metragem de Henrique Santos em que a única actriz e personagem é a sua irmã, na altura estudante de psicologia. O desafio: filmar o fim de uma festa que nunca aconteceu.
Há uma margem de erro quando quatro amigos se reúnem junto do mar.
Ele traz tudo de volta: dois casamentos, relações cruzadas, segredos, uma infância passada junto de ruínas magnificas. Aquele pode já não ser o lugar onde cresceram, mas é o lugar que lhes cheira ao mesmo, como os fins de tarde, já quase noite, quando os seus pais voltavam de mais um dia de raiva e bebedeira, para lhes provar que nada mais ali havia do que um falhanço em câmara lenta. E aquele mar sempre igual.
Aquele pode já não ser o lugar onde cresceram, mas é o lugar onde juraram que nunca mais.
E agora que a história os apanhou, tudo o que podem fazer é ignorar a voz que faz das ondas trincheira e munição: esta é a margem de erro, este é o denominador comum.
A Ana Leiria filmou o mar, este nosso mar sem fim, como uma espécie de deserto americano em renovação permanente, um lugar onde desespero e redenção co-habitam, como se a história de todos aqueles que perto dele nasceram lá ficasse gravada.
Não é arriscado prever que um dia deixarão de existir comboios.
Uma manhã, morre essa ideia romântica de viagem longa e carruagem partilhada, porcelana e cristal e tilintar entre carris abraçados, acasalados por um monstro que galga quilómetros.
Deixarão de existir toneladas de ferro, todos os cavalos de força e aquele mundo infinito com um guião de duas linhas. Uma manhã, deixará de existir a estranha atracção de descobrir o teu acordar antes de uma estação, o fim de linha. Porque nessa manhã deixarão de existir comboios.
Cronómetro de uma relação em civilizado desmonoramento, “A manhã em que deixarão de existir comboios”, terceira curta de Mafalda Leitão, constrói-se em flashbacks de um tempo em que a viagem parecia não ter fim, numa acumulação de momentos plenos até uma queda anunciada.
Para isto.
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