domingo, janeiro 25, 2009

Expo '85

Uma coisa de que me recordo da minha escola primária é que tinha muitos corredores que nunca utilizei. Havia andares inteiros aos quais (quase) nunca fui (a minha sala era no primeiro andar, à esquerda). Nos dias de chuva, as contínuas não nos deixavam sair e ficávamos para ali, como que presos no recreio interior, circulando entre o átrio e os corredores. Lembro-me de uma fase de berlindes, em que todos tínhamos embalagens de Nesquik (amarelas, com tampas vermelhas, já sem o papel, só as marcas da cola) cheias, pesadas. Estragávamos os bolsos dos casacos no inverno com aquele peso e a minha mãe ficava fula.

(Nos meses de sol, e porque a escola ficava junto a um parque, criávamos bichos-da-seda. Havia larvas com aspecto de doença, metamorfoses e umas borboletas muito feias, mas como aquilo me deslumbrava a minha mãe achava piada.)

Os outros corredores eram iguais ao meu. Havia cartazes ligeiramente diferentes nas paredes, algumas portas tinham desenhos (lembro-me de reparar que quase todas tinham puxadores diferentes). E no entanto, aquelas divagações em dias de chuva sabiam a transgressão. Como entrar no apartamento de um vizinho e reparar como as pessoas colocam as mesas em sítios ou orientações diferentes, como todos temos diferentes objectos mais ou menos inúteis em sítios mais ou menos iguais. Enquanto o vizinho procura as chaves da garagem de que nós nos esquecemos no carro, tentamos absorver o máximo daquelas diferenças mínimas - como uma pessoa que vive no mesmo país e cidade, que partilha contigo morada e algumas chaves, se consegue individualizar no meio de todas aquelas coincidências é para ti um mistério, mas ainda assim, procuras alguma revelação. Há ali uma espera ansiosa, um momento em que podes olhar em volta, apontando as diferenças. Obrigado pela chave, volto já, vou só buscar a minha ao carro, que distraído que eu ando. Visto à distância, quantas pessoas assim tão diferentes podem existir num prédio na Roménia, todos romenos, todos a viverem (até) no mesmo prédio. A distância torna ridícula a comparação, são todos iguais, são todos romenos, vivem até todos no mesmo prédio. E ainda assim, eu ficava deslumbrado com um corredor que se distinguia do meu por alguns cartazes e puxadores de portas. Por marcas de obras, tintas de tons ligeiramente diferentes, sobrepostas.

Eu hoje fico deslumbrado por chávenas de café quase tão cheias como a minha. Fico muito curioso com as coincidências que não parecem ter outra explicação que não a banalidade das vidas de quem nelas repara e fica destroçado quando alguém revela a intencionalidade da sua organização. Falo a sério, como adoro a forma como as coisas, entregues às pessoas, parecem adquirir uma forma particular de se organizar. Como corredores gémeos numa mesma escola de uma cidade pequena podem parecer diferentes aos olhos de uma criança, só porque são habitados por pessoas iguais a ela e isso parece fazer toda a diferença. À distância certa.

À distância certa fica o deslumbre, se arriscares sentes o cheiro.

1 comentário:

Margarida disse...

Eu não me lembro de grande parte da minha infância. Tenho ideias sobre a parte exterior da escola, mas não me lembro da minha sala, onde era o meu lugar nem tão pouco a que cheirava. Só me lembro mesmo bem que era muito boa a picotar. :) Também tinha desses bichos nojentos, que se trasformavam em borboletas foleiras e cheiravam mal. E obrigava a minha mãe a ir apanhar folhas daquelas especiais para lhes dar de comer, sempre que eu comia também... :) e agora, com olhos de quem conhece muitas crianças, acho que tu devias ser daquelas muito fofas.

e uma criança fofa só podia dar num homem assim.

gostei.
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