domingo, dezembro 17, 2006

Ainda sobre os que se afastam

"Deveríamos nascer e morrer todos ao mesmo tempo. Não haveria famílias, nem pessoas mais novas - ao fim de oitenta anos, como numa festa de fim de ano, todos morreríamos. Ficariam os sábios, os escritores, os médicos muito bons - para ajudar a geração seguinte a nascer e viver.
Não haveria pais, mães, filhos - ninguém que morresse antes ou depois de quem ama ou os ama. O sofrimento, sem a morte, já chega. Saber que vão morrer os mais velhos, de quem precisamos e a quem tanto devemos, ou os mais novos, que precisam de nós e que precisamos de ajudar para viver, é a maior tristeza de todas.
Haveria livros. Platão e Beckett continuariam vivos e a escrever. A imortalidade seria o preço do génio - deveria haver maneiras neurocirúrgicas de protegê-los da saudade e do cansaço. [...]
Não percebo por que têm de morrer as formigas e os leões para nascerem formigas e leões iguais a eles."

retirado de "O cemitério de raparigas" de Miguel Esteves Cardoso.

1 comentário:

R.Noga disse...

e os amigos eram uma espécie de fios de rede que só faria sentido entrelaçados.