domingo, dezembro 18, 2005

Yamoussoukro

"A dívida foi contraída na década de setenta e na primeira metade da de oitenta, quando o preço do cacau e do café consentia todos os sonhos e a Costa do Marfim se tornou o Eldorado de África. [...] O café desceu 25 por cento nos últimos quatro anos e, de repente, o país declarou-se insolvente, com uma dívida externa que representa cerca de 4000 contos por habitante e em que apenas os juros do total da dívida pública comem 45 por cento do PIB. [...] Ninguém sabe ao certo quanto custou o sonho arquitectónico de Houphouët-Boigny: a basílica de Nossa Senhora da Paz, em Yamoussoukro. [...] Oficialmente, a basílica não custou nada aos marfinenses: foi «uma generosa oferta do presidente ao povo do seu país». [...] É a mais alta, a maior, a mais espalhafatosa e a mais luxuosa igreja do mundo - maior do que Westminster, a Notre-Dame ou a Basílica de S. Pedro. Tudo isto no fica situado no meio de coisa nenhuma, surgindo como uma visão absurda para quem acaba de chegar por uma estrada que atravessa a floresta. Ao lado da basílica, apenas uma outra construção: o palácio construído especialmente para albergar João Paulo II por uma única noite: a noite de 10 de Setembro de 1990 quando, desprezando as críticas à ostentação de tudo aquilo, se dispôs a inaugurar e a abençoar a megalomania de Houphouët-Boigny. Apenas com o dinheiro gasto nas cerimónias de inauguração e com o palácio papal para uma noite, muitos milhares de crianças em África não teriam morrido de fome ou de falta de assistência médica nesse ano. É que, como escreveu Axel Munthe, para rezar a Deus, qualquer lugar serve; mas, para tratar os doentes, é preciso hospitais."

Miguel Sousa Tavares, A Costa dos Espíritos, Sul

Isto, num país onde os catolicos não são mais de 25 por cento da população. 300 milhões de dolares e a promessa de um hospital construído na proximidade. A primeira pedra continua no solo, isolada, colocada de forma a convencer João Paulo II a inaugurar a coisa em 1990. Num dos vitrais da basílica surge Houphouët-Boigny, na altura presidente da Costa do Marfim, e o génio generoso por trás de tudo isto, representado como o 13º apóstolo.

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