" Entre escrever um livro e preparar uma manifestação, distribuir a imprensa clandestina e cumprir qualquer outra tarefa de organização ou agitação não havia diferença apreciável. Que um livro exercesse a sua acção e desaparecesse em seguida, que mal havia nisso? Acontecia o mesmo às próprias pessoas. Outras pessoas viriam, outros livros viriam.
O que ajuda a compreender como a consciência do processo revolucionário, da sua complexidade, amadurece lentamente. E como é difícil ou impossível evitar que assim seja.
Na verdade, as intenções não chegam para forjar armas e fazê-las funcionar, como toda a gente sabe, julga que sempre soube, mas só se sabe depois. E o mais surpreendente é que até as intenções não são nunca exactamente apenas aquilo que pensamos quando, com tanta sinceridade, julgamos inicialmente difini-las e cremos estar a pô-las em prática. Metia o papel na máquina e escrevia, escrevia, sem querer preocupar-me com o que muito mais tarde viria a chamar-se a «escrita». Mas era isso (só isso) o que fazia?"
Mário Dionísio, e um excerto da sua "Evocação em jeito de prefácio" de O Dia Cinzento e outros contos. Publicado pela primeira vez em 1944 e evocado em Janeiro de 1997.
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